quinta-feira, setembro 15, 2005

Disco Gigante! (resenha)

Resenha do disco Gigante! publicada em Maio de 2004
por: Luiz César Pimentel


O rock bebe da fonte da juventude. O que era bom ontem se torna descartável manhã. E a ridicularização espreita cada esquina, de olho no relógio, a onsolidação de carreiras. Músicos, assim, dão graças por pular as armadilhas e chegar ao segundo disco. Digo isso porque diante desse quadro o Capital Inicial é a banda especialista, quase um Sun Tzu, na arte dessa guerra.

Mandamentos que conhece na raça, depois de ter passado do céu ao inferno. Após ter sobrevivido à implosão de uma banda formada na adolescência por amigos e há cinco anos de coma, entre 1993 e 98. Após chegarem ao 11º disco – este Gigante – de uma carreira de mais de 20 anos, em que já transitaram entre os maiores, os maus, os feios e os malvados.

O céu a que me refiro é o de um conjunto que compôs as melhores músicas do rock dos anos 80 e que consegue dar à luz seus melhores discos 20 anos depois.O inferno a que me refiro é o da interrupção dessa história no meio de sua trajetória. O purgatório de um recomeço do zero, no final dos anos 90. Mas esse retorno foi com o ótimo “Atrás dos Olhos” (1998), que no muque venceu o cabo-de-guerra do preconceito que vinha de carona em qualquer notícia de reunião de banda que fizera sucesso na década anterior.

A consolidação de uma nova fase com o “Acústico MTV” (2000), em que mataram um leão show após show para chegar à marca de sete dígitos de vendagem – na época, artistas só chegavam ao milhão em cópias vendidas com hiper-mega-hits, o Capital levou seis músicas tocando nas rádios, dois anos e mais de 300 shows pra alcançar o patamar.

A gravação de um trabalho melhor ainda sob o céu turbulento da perda de um dos integrantes originais da formação, o guitarrista Loro Jones, que desceu do palco do ginásio do Gigantinho, em Porto Alegre, em dezembro de 2001, para nunca mais subir.A tutela do posto a Yves Passarell e o imediato “Rosas e Vinho Tinto” (2002), que veio como o retrato de uma banda segura do caminho que queria trilhar e, principalmente, conhecedora das pedras dessa estrada.
Mas, se por um lado, todas as conquistas pareciam ao público naturais à banda de rock brasileiro de maior procura nas lojas de disco, enxergando a situação pelo periscópio do quarteto a maré não era tão favorável assim.

Eram eles que viam do palco que o público – adolescentes em sua quase totalidade – tinha que ser conquistado música após música. Eram eles que tinham passado pela experiência de terem sido, 15 anos antes, uma das bandasde maior sucesso do país e terem atolado a carreira em areia movediça da qual não viam escapatória. Foram eles que arriscaram tudo o que haviam conquistado com confiança num trabalho novo, em músicas inéditas, e não em espremer a obra anterior e dilui-la em releituras do que um dia fora sucesso.

“Vejo quase como se estivéssemos começando a nossa carreira. O Capital está tendo a oportunidade de reescrever sua história. É muito raro acontecer o que aconteceu conosco. E é um privilégio viver de rock no Brasil”, explica ovocalista Dinho Ouro Preto.
O recomeço desta vez atende pelo nome Gigante, e a responsabilidade da banda se renova a cada passo. Eles sabem que não têm muita margem de erro para trabalhar. Sabem que os olhos que os vigiam são menos tolerantes, por tudo aquilo que foi exposto anteriormente. E sabem, principalmente, fazer rock. Um rock que neste caso ousa ser cru, elementar – “sem teclados, sem percussão – só os quatro tocando... E muita guitarra!”, resume Dinho.

Na verdade, não é preciso mais que esses pequenos detalhes para que qualquer pessoa que os conheça saiba do que se trata. Por quê? Porque o Capital Inicial é uma banda com estilo próprio. Ponto. A partir disso são necessárias poucas pistas para compor um panorama geral de um trabalho novo.
Pelo mesmo motivo, a riqueza da obra fica na dinâmica imposta no trabalho, particularidade em que os quatro – além de Dinho, os irmãos Fê (bateria) e Flávio Lemos (baixo) e o guitarrista
Yves Passarell – se especializaram nos mais recentes trabalhos, desde a volta da banda com a formação original, em 1998. Um leque de possibilidades concentrado neste Gigante que traz frescor, crocância de banda zero quilômetro num corpinho de 20 anos de estrada.

O pontapé inicial do disco é um acorde aberto de guitarra, seguido de um rufo de bateria que abre espaço para 10 minutos cravados de pancadaria (pode cronometrar). Tempo suficiente para três canções – recado curto e direto que faz coro à letra da primeira música, Instinto Selvagem: “É preciso coragem pra recuperar seu instinto selvagem… / …Não importa quantos vão te escutar”.

É o leque que começa a se abrir na música seguinte, Respirar Você, onde você não mais bate a cabeça, mas balança-a num rock suingado que ganha potência e volume no refrão.
Sem Cansar, primeiro single e que ganhou um clipe homenageando bacos e dionísios escolados na Terra do Sol Nascente, fecha a tríade pauleira inicial. E não é fácil ouvi-la sem imaginar uma multidão pulando num estádio, entoando o “lalalalalalalá” do refrão dessa versão de “C'Est Comme Ça”, dos franceses do Les Rita Mitsouko.

O Capital dirige o holofote para outra possibilidade em Seus Olhos. Sobre uma de suas principais características – a condução melodiosa da música pelo vocal de Dinho – o grupo lamenta numa balada sombria o estrago causado pela ausência de uma mulher.
Não Olhe pra Trás mantém a estrutura cadenciada da anterior, mas aqui ganha cores saturadas dos anos 1970, solo de guitarra em wah-wah para climatizar e peso no refrão: “São águas passadas / Escolha uma estrada / E não olhe pra trás”.

Gigante abre uma nova picada no caminho de Sexo e Drogas, rock para quem curte chimbau aberto e pé no retorno. E volta a priorizar a melodia em Perguntas sem Respostas. Linda, linda. Novamente a banda segue a direção melódica do vocal numa composição típica da parceria Dinho-Alvin L., que neste caso ganham o reforço de Yves. Uma música para se ouvir imaginando como seria legal se o Brasil possuísse a tradição dos singles, com a possibilidade de um registro diferente, mais nu, desplugado, nesta balada que reforça a característica da banda de compor em violão. “Se a música funciona no violão, ela funciona em qualquer formato”, atesta Dinho.

Uma nova cor no arco-íris surge com Insônia quando, inesperadamente, uma batida eletrônica (fruto da mania do baterista Fê com o gênero: “Finalmente ele conseguiu incluir um drum ‘n’ bass”, diverte-se Dinho) abre caminho para a canção mais intimista do álbum. São os quatro da banda caminhando por estradas próprias que se cruzam no refrão.

Maria Antonieta leva o carimbo da fase recente da banda, em que criam um personagem e narram sua trajetória (quase sempre) errante. Neste caso, embalados num rock ensolarado e sempre em crescente, os dardos são lançados na direção da menina que batiza a canção e de seu mundo roedor de shopping-center.
Vendetta e Sorte, tangenciando os três minutos cada, são duas pancadas de esfolar as baquetas de Fê Lemos.

O disco termina com uma balada-ode de Gratidão ao amor e ao amparo. Pouco mais de 40 minutos que compõem mais um retrato na prateleira de uma família com duas décadas de história, para a qual maturidade é sinônimo de progresso. Enquanto nos errantes anos iniciais o Capital provou ser uma banda de excelentes músicas e discos irregulares, neste novo período os discos ganharam consistência como obras e o trabalho ficou muito melhor acabado. “Atrás dos Olhos”, “Rosas e Vinho Tinto” e, principalmente, este Gigante não me deixam mentir.

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